O Sermão da Montanha. Estudo Nº 35: Os Nossos Inimigos: Olho por Olho, Dente por Dente

Grande lago com montanhas ao fundo. Texto sobre O Sermão da Montanha - Olho por Olho, Dente por Dente.

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O Sermão da Montanha – Olho Por Olho, Dente Por Dente

Mateus 5:38 e Mateus 5:39 Estudo Teológico Nº 35 Amar os Nossos Inimigos

Por Markus DaSilva, Th.D.

Jesus, nesta sequência da série sobre o Sermão da Montanha, entra em um dos segmentos mais conhecidos na Bíblia. É aqui que Jesus nos deu o seu mandamento considerado por muitos como o mais difícil de todos: “qualquer que te bater na face direita, oferece-lhe também a outra” (Mat 5:39). A razão que este mandamento de Jesus soa como algo impossível de obedecer para alguns é porque a nossa natureza pecaminosa deseja retribuir por igual toda a ofensa que recebemos. Aliás, não por igual, mas sim que os nossos ofensores sofram duas ou três vezes mais toda a dor que nos fazem passar. A ideia de que, não apenas devemos receber uma bofetada sem revidar, mas que também devemos virar o rosto para que, se a pessoa quiser, também machuque o outro lado, vai totalmente contrário ao nosso instinto natural de preservação e retribuição.

“Definitivamente, via de regra, não desejamos que a retribuição seja apenas proporcional ao mal que recebemos. Triste, mas verdade.”

Se Alguém te Bater na Face Direita, Oferece-lhe Também a Outra

Neste e nos próximos cinco estudos bíblicos desta série, lidaremos com um ponto fundamental do cristianismo, que é a aceitação do sofrimento por amor e em obediência aos mandamentos de Jesus. Pode parecer contraditório, mas muito sofrimento seria evitado se os cristãos obedecessem a este ensino de Jesus: “Ouvistes que foi dito: Olho por olho, e dente por dente. Eu, porém, vos digo que não resistais ao perverso [Gr. πονηρός (ponirós) adj. mal, maldoso, maligno, imoral]; mas, se alguém te bater na face direita, oferece-lhe também a outra; e se alguém te processar, para tirar-te a túnica, deixa-lhe também a capa; e, se alguém te obrigar a caminhar mil passos, vai com ele dois mil” (Mat 5:38-41). Praticamente todas as versões em português, espanhol e em inglês traduziram como “resistir ao perverso” ou “resist an evil person”: NVIport, NVIesp, NVT, TAR, NAA, ARA, NIV, , NLT, RSV, NTLH, NKJV, CSB, NET,  e outras, com exceção da ARC, BJesp, RVA e KJV que optaram por uma expressão mais generalizada: “não resistam ao mal” ou “resist not evil”, e que provavelmente foi o que Jesus quis dizer, assim como Ele utilizou este mesmo adjetivo [Gr. πονηρός (ponirós)] em outras partes do Sermão da Montanha: Mat 5:37; 6:13; 6:23; 7:11; 7:17. Não obstante, é obvio que praticamente todo o mal que ocorre neste mundo possui alguém que foi o autor ou o praticante do mal. Neste sentido, a palavra “perverso” pode ser subtendida.

Esta é uma sequência de ofensas à nossa pessoa contra quais Jesus nos instrui a ter uma atitude de passividade. A primeira delas, o tapa na cara, significa um ato inesperado que alguém faz para nos machucar, podendo ser intencional ou não. A segunda ofensa, é definitivamente intencional, pois neste caso alguém quer tirar algo que nos pertence. A terceira, é uma ofensa em que a pessoa por um motivo ou outro tem o direito de nos obrigar a fazer algo que não gostamos. O que vemos de comum nestes três tipos de ofensas é que em todos eles, segundo Jesus, devemos aceitar a afronta sem que haja retribuição da nossa parte. Lidaremos com cada uma destas ofensas mais abaixo.

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Olho Por Olho, Dente Por Dente

A conhecida lei: “Olho por olho, dente por dente” a que Jesus se referiu vem de passagens em Êxodo, Deuteronômio e Levítico: “O teu olho não terá piedade dele [da pessoa que praticou o mal]; vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé” (Deut 19:21). Mais tarde, essa lei passou a ser conhecida no latim como “lex talionis”, ou “lei de talião” em português. Essa lei possuía duas funções específicas: a primeira e principal era que a prática do mal não se tornasse algo comum em Israel, ou seja, ela assumia um caráter punitivo, restritivo e estatal: “e assim eliminarás o mal do meio de ti” (Deut 19:19). A outra função da lei era que a retaliação (lex talionis) fosse proporcional à ofensa. Se a ofensa foi a perda de um olho, que o pagamento seja também apenas de um olho e não dos dois olhos e o ofensor fique totalmente cego. Como seres humanos pecadores e falhos, sabemos muito bem que quando alguém nos causa algum mal a nossa inclinação é desejar que a pessoa pague muito mais do que aquilo que fez. Quando alguém nos corta no tráfego, por exemplo, dependendo do tipo de dia que estamos tendo, muitas vezes gostaríamos que o motorista sofresse um acidente na próxima curva e que o seu carro pegasse fogo e fosse reduzido a cinzas. Definitivamente, via de regra, não desejamos que a retribuição seja apenas proporcional ao mal que recebemos. Triste, mas verdade.

Quem é Este Alguém Que Bate na Nossa Face Direita?

Frequentemente somos ofendidos quando menos esperamos. Seja na rua, no supermercado, no trabalho, na escola, em casa, e até mesmo na igreja, é garantido que em uma determinada hora, quando estamos totalmente despreparados, alguém fará ou falará algo que nos machuca. Muitas vezes a pessoa que nos causa a mágoa é alguém que gostamos e que sabemos que também gosta de nós, o que aumenta a nossa dor. Este tipo de ofensa comum do dia a dia é o que Jesus quis dizer com: “se alguém te bater na face direita”. O uso do grego [αλλ΄ όστις (al ostis)] por Mateus, traduzido como: “se qualquer um”, “se qualquer pessoa”, ou “se alguém”, generaliza o mandamento de Jesus de tal forma que não temos como ser seletivos quanto à quais pessoas Jesus se refere. Ou seja, não importa quem é a pessoa que nos ofende, seja a esposa, um amigo, um irmão da igreja, um colega de trabalho, ou um completo estranho; seja alguém com autoridade sobre nós, alguém que consideramos igual a nós, ou até mesmo (e principalmente) alguém que normalmente entendemos ser nosso inferior, Jesus nos diz que temos que assumir uma atitude de humilde passividade quando ofendido.

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Quando o Cristão Representa uma Organização

Devemos deixar bem claro aqui que este mandamento de Jesus se refere a todos nós como indivíduos, e não como instituições: [Gr. στρέψον αυτώ και την άλλην (strepson afto ke tin alin) dê a ele também a outra]. Ou seja, a outra face que devemos oferecer para a pessoa que nos ofende é a nossa própria e não a da organização que representamos. Seria um absurdo, por exemplo, que um cristão com autoridade no seu trabalho entendesse que com estas palavras Jesus está lhe dizendo que permita que os seus subalternos o desrespeitem sem que haja as devidas consequências. Este mesmo princípio óbvio se aplica ainda mais quando a natureza da profissão do cristão exige firmeza no seu comportamento, como militares, policiais, guardas, carcereiros, socorristas… etc. Certamente que estes cristãos não seriam bons funcionários se assumissem uma atitude passiva e submissa em situações delicadas e perigosas, onde uma postura firme é na realidade o que a população mais precisa.

Se Alguém Quer Tirar-te a Túnica, Deixa-lhe Também a Capa

O segundo tipo de ofensa que Jesus mencionou se refere à quando alguém deseja tomar algo que nos pertence: “…e ao que quiser te processar, e tirar-te a túnica, deixa-lhe também a capa” (Mat 5:40). Nestas palavras de Jesus, podemos entender qualquer situação em que alguém queira algo de nós e, em vez de simplesmente nos pedir, utiliza de meios legais para retirar de nós algo que sabemos que ele não tem direito. Este também é um mandamento que requer a correta aplicação, pois alguém mal-intencionado poderia muito bem entrar com um processo legal sem nenhuma base contra um cristão e exigir tudo o que ele tem, na esperança que devido ao mandamento de Jesus ele receberá o que deseja sem qualquer resistência. Ou seja, Jesus se refere às situações normais, sem óbvias pressuposições e na qual a pessoa realmente possui uma causa válida, ainda que discordemos da sua demanda. Neste caso, Jesus nos instrui a não resistir e simplesmente ceder àquilo que a pessoa quer.

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Os Discípulos de Jesus no Sermão da Montanha Eram Pobres

Um ponto interessante nestas palavras de Cristo é que, ao usar o exemplo da túnica e da capa no Sermão da Montanha, podemos ver que a sua audiência — os seus discípulos — eram pessoas pobres, caso contrário ele falaria de casas, terras, colheitas, escravos e outros bens característico de pessoas ricas da época. A túnica [Gr. χιτών (riton) s.m. túnica], mas especialmente a capa [Gr. ιμάτιον (imation) s.n. capa, roupa], eram peças de roupas essenciais para as pessoas simples: “Se tomar em penhor a capa do teu próximo, lho restituirás antes do pôr do sol; porque é a única coberta que tem; é a cobertura da sua pele; em que se deitaria ele? Quando, pois, clamar a mim, eu o ouvirei, porque sou misericordioso” (Exo 22:26-27). No evangelho segundo Marcos podemos ver um exemplo de um seguidor de Jesus que literalmente perdeu a sua túnica e capa: “Ora, seguia-o um certo jovem envolto em um lençol sobre o corpo nu; e o agarraram, mas ele, largando o lençol, fugiu despido” (Mar 14:51-52). Este detalhe torna as palavras de Jesus ainda mais fortes, pois a implicação é que o cristão deverá estar disposto a perder até mesmo aquilo que lhe é essencial para viver, em obediência aos mandamentos de Jesus. [Acesse estudo sobre a pobreza de Cristo]

Se Alguém te Obrigar a Caminhar Mil Passos, Vai Com Ele Dois Mil

O terceiro exemplo que Jesus nos deu se refere às situações em que a ofensa procede de quem tem algum tipo de autoridade sobre nós: “se alguém te obrigar a caminhar mil passos, vai com ele dois mil” (Mat 5:41). Segundo os historiadores, durante o império romano havia uma lei em vigor conhecida como [Gr. αγγαρεύω (agarevo) v. forçar a carga], na qual um militar, a qualquer momento, teria o direito de forçar um cidadão não-romano a carregar — ele mesmo ou o seu animal — uma carga por até mil passos, ou aproximadamente 762 metros. Quando Jesus era levado ao Gólgota, os soldados romanos utilizaram desta lei para forçar Simão, o cirineu, a carregar por um tempo a cruz do Senhor (Mat 27:32). [Gr. τούτον ηγγάρευσαν ίνα άρη τον σταυρόν αυτού (ingarefsan ina ari ton stavron aftu) Lit. a ele eles obrigaram que ele carregasse a cruz dele]. Esta era uma lei que obviamente causava grande humilhação às pessoas. Um judeu, acompanhado da sua mulher e filhos, poderia estar bem-arrumado para um evento, por exemplo, e ser inesperadamente forçado a carregar nas costas a pesada mochila de um simples soldado romano, sob o olhar de todos, sem que nada pudesse fazer. Este era o contexto das conhecidas palavras de Cristo.

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Um Testemunho Pessoal Sobre Caminhar Dois Mil Passos

O Senhor, na sua bondade para comigo, já me deu várias oportunidades de viver e praticar na pele este mandamento de Jesus. Recordo-me um tempo atrás, a minha supervisora, uma senhora descrente, para me humilhar, me disse para pedir que uma novata no trabalho, também descrente, me treinasse sobre como executar um certo projeto, quando o correto seria eu treiná-la e não ela a mim, de acordo com o meu cargo na empresa. A minha inclinação natural era ignorar a supervisora ou pedir que a moça me treinasse em uma hora e local que estivéssemos a sós, para evitar constrangimentos. “Afinal”, sussurrava o Diabo no meu ouvido, “ninguém estipulou de que maneira você deve obter o tal treinamento”. Mas, através desta passagem bíblica sobre fazer mais do que o perverso nos pede, o Espírito Santo me alertou quanto ao que estava realmente ocorrendo no mundo espiritual e da oportunidade que Deus estava me dando de demonstrar o meu amor a Ele através da minha obediência aos mandamentos de Jesus. Sem dar mais ouvidos à voz de Satanás, me levantei, me dirigi até a mesa da moça, e na presença da minha supervisora e colegas que olhavam envergonhados para a cena, me humilhei e pedi a ela com toda a educação que me instruísse sobre o projeto, o que ela fez prontamente. A minha supervisora maldosamente me forçou a caminhar mil passos, mas eu caminhei dois mil, para a honra e glória de Deus: “Qualquer, pois, que a si mesmo se exaltar, será humilhado; e qualquer que a si mesmo se humilhar, será exaltado” (Mat 23:12).

Deixando Que Deus Vingue Por Nós

Queridos, o grande objetivo de Jesus nestes ensinos é interromper o processo de propagação do mal. Quando a resposta de um ato maligno for um outro ato maligno, o mal seguirá sendo a reação recíproca e mais sofrimento ocorrerá. Quando, porém, o mal recebe o bem como resposta, a sequência do mal é interrompida. Ainda que naturalmente queiramos revidar o mal recebido, devemos lembrar que temos um Pai que está observando tudo aquilo que o homem perverso faz contra os seus filhos, e um dia a justiça será feita, mas ela terá que vir do nosso Pai, e não de nós mesmos: “Não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas deixem para Deus a ira, porque está escrito: Minha é a vingança, eu retribuirei, diz o Senhor” (Rom 12:19). E finalmente, irmãos, como sempre, o nosso maravilhoso Mestre nunca pede de nós aquilo que Ele mesmo não tenha feito: “Porque para isso fostes chamados, porquanto também Cristo morreu por vós, deixando-vos exemplo, para que sigais os seus passos. Ele não cometeu pecado [Gr. αμαρτία (amartía) s.f. pecado, erro, ofensa], nem na sua boca se achou engano; sendo insultado, não insultou, e quando sofria [Gr. πάσχω (pásrro) v. sofrer, receber sofrimento], não procurou vingança, mas entregava-se àquele que julga [Gr. κρίνω (krino) v. julgar, condenar] com justiça” (1Pe 2:21-23). Espero te ver no céu.
 

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